sábado, 14 de fevereiro de 2015

GATTAGA

Foto: Dmitri Markine

Rotulações, acabamentos perfeitos, localizações, postulações, leis, fundamentos... O que fazer?
Todos os livros já dizem a palavra certa em meus ninhos cerebrais.
Conexão correta, movimentação precisa, máquinas perfeitas na construção das aparências do exterior.
O olhar, o cabelo, as unhas, o corpo na retidão da certeza do padrão intenso do ser preciso. O que fazer agora?
Se eu morasse em Gattaca eis a questão! Lá minha atenção seria precisa... Mas não sou de lá.
Sou daqui de dentro da pedra, onde o olhar flutua leve na bruma da manhã. Sou daqui onde as pipas são coloridas na vontade dos garotos de rua. Sou daqui onde os cabelos e as unhas desenvolvem-se sob as marés e a lua. Sou daqui onde meu coração sidera na esperança de nunca ter a dúvida da vida. Sou daqui onde suas pupilas me fazem andar assim, leve na avenida, só, com a imagem de teu rosto em meu cérebro, junto ao teu cheiro, tua voz, tuas mãos...

Vontade de fugir para Gattaca...




“Gattaca - A Experiência Genética”
(Gattaca), 
de Andrew Niccol
(1997)
Eixo Temático

O desenvolvimento das técnicas de manipulação genética decorrem do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social e da redução das barreiras naturais. É claro que, nas condições de uma sociedade de classes, onde predomina a divisão hierárquica do trabalho e a propriedade privada, tal avanço da ciência genética se traduz em possibilidades concretas de incremento do controle social estranhado. Neste caso, o capital tende a se apropriar do desenvolvimento das forças produtivas sociais para aprofundar seu controle de classe. Estamos diante de uma visceral contradição entre as imensas potencilaidades de desenvolvimento humano-genérico e da plena socialização da sociedade humana, e a aguda vigência de determinações de controle social estranhado e de exploração de classe. Ao lado do admirável mundo novo, subsiste velhos valores estranhados e sociabilidades corrompidas pela lógica do capital.
O filme Gattaca – A Experiência Genética, de Andrew Niccol (1997) é um caso exemplar. Apesar de ser um filme de ficção-científica deixa claro sua intertextualidade. A partir de um certo momento, Gattaca parece se tornar um filme policial ou de suspense quando a trama narrativa se desloca para a busca do assassino de um dos diretores da corporação Gattaca. No desenrolar da trama, todo o suspense se concentra no personagem Vincent Freeman, um Inválido condenado pelo seu código genético a tarefas degradantes (Freeman significa, literalmente, “homem livre”). 

A sociedade de Gattaca está dividida em duas “classes sociais”, os Válidos, os “filhos da Ciência”, produtos da engenharia genética e da eugenia social, e os Inválidos, os “filhos de Deus”, submetidos ao acaso da Natureza e às impurezas genéticas. Gattaca retrata uma sociedade de classe cuja técnica de manipulação do código genético tornou-se prática cotidiana de controle social. Vincent é um jovem ambicioso, que almeja ir além do seu destino genético e decide assumir a personalidade de Jerome Morrow, um Válido que, em virtude de um acidente, ficou paralítico. Utilizando os serviços clandestinos de um “pirata genético”, Vincent clona os registros genéticos de Jerome. Sua ambição é driblar as restrições de classe e se integrar na elite intelectual e moral de Gattaca e realizar seu maior sonho: ir para o planeta Titã, satélite de Júpiter (seria uma alegoria de fuga do sistema do capital, de agudo cariz regressivo, tal como um "retorno ao útero materno"?). 

No final, a trama de Gattaca sugere um drama familiar, no estilo de East of Eden, de Elia Kazan (com James Dean), quando Vincent encontra em Gattaca, seu irmão Anton, que descobre a verdadeira personalidade de Jerome e ameaça denuncia-lo. Torna-se claro, mais uma vez, a rivalidade entre irmãos (que é, no filme, a transfiguração de uma rivalidade de classe, cabe salientar): um, “filho de Deus”, nascido do acaso da Natureza, outro, produto de um planejamento genético quase perfeito.